segunda-feira, 31 de maio de 2010

CINE SÃO JOSÉ


(lembraça dos velhos cinemas
que não existem mais)

Para que e como restaurar
o velho cinema de Muzambinho?
Era o maior espetáculo da terra,
o desfile os astros de Hollywood.
O bálsamo daquelas ruas poeirentas,
da tristeza das famílias
pobres, daquela ilusão pueril,
como o único remédio para
as coisas que não têm remédio.
Como é difícil restaurar o Cine São José!


Os porteiros como anjos deixavam
os meninos pobres entrar ao apagar
das luzes, eles já estão no céu de
Hollywood se é que Hollywood tem céu,
estão talvez nas entranhas do
tabuado do poleiro, onde mocinhos
e mocinhas trocavam juras de amor.
O amor inocente que simulava
outro filme que não passava na tela:
este de carne e osso, o outro o
sonho indelével, que se corroeu
também nos escaninhos
enlatados que a traça deu fim.


O Cine era a assembléia dos
sonhadores, a romaria dos iludidos,
dos fora do mundo. Como era bom
resguardar-se naquele espaço
aconchegante do Cine São José!
A vida só valia pela existência
do Cine São José!


Ele ficava suspenso no ar, longe
do assassinato frio que ocorreu
nas adjacências da antiga Rua
América, na zona meretrícia da
cidade. No ar ele ficava suspenso
da dor da sexta-feira da paixão,
do comerciante falido que foi
embora para nunca mais,
dos desgostos das mortes
dos parentes, das falas covardes,
dos anseios e devaneios, da
fragilidade sem culpa da pequenina cidade!


Ele era suspenso... Como me lembro!
Ao abrir as cortinas em tom vinho
escuro, abria-se o outro lado irreal
é verdade, amenizando esta vida
tão dura que o tempo também
a tornaria irremediavelmente fictícia.


Era enorme o Cine São José,
comportava pacientes de toda classe.
Ali a vida ficava lá fora talvez
com raiva com ciúme.
A portaria barrava qualquer
sorte de acontecimentos.


Podia morrer quem morresse,
deflagrar guerras, escândalos,
ninguém se mechia: - A fita do
filme era intocável e a fita lá
de fora que esperasse sentada,
porque era imperativo o ato
impar, único e imponente do ator.

Como reconstruir o Cine São José?
Não há mais vontade, não há mais
proprietário, aliás, sempre duvidosa
a propriedade do estabelecimento...
ninguém ligava, não podia era cortar
o filme, desaparecer Carlitos, Gordo
e Magro, Greta Garbo, John Wesmuller,
Elizabeth Tayllor, Lex Baker: estes
eram mais importantes do que
o domínio e a posse do Cine São José.


Por que hoje me veio a tona o Cine
São José se nem posses tenho
para reativá-lo e para que?
Seria eu o único a pensar
nessa inventiva insana?


Era o palco da vida, e mais
dia ou menos dia, saberíamos
que a vida é um filme duro como
rocha e só as águas límpidas da
selva do Tarzan compensava esse
gostinho de mel, que brotava,
brota e encalacra nos escombros
do Cine São José imortal.


Nas suas paredes ouço “Danúbio Azul”
e outras melodias, vejo o olhar da linda
moça que talvez por engano pensei
que olhasse para mim.
Aqui fora há um misto de revolta
conformada! ...
Por que não restaurar o Cine São José?


Ainda sinto o gosto da bala pipper.
A tela da vida era desimportante
diante do ato estilizo do grande artista.
Em cinemascope sentíamos vibrar a
liberdade e a coragem para enfrentar barreiras.


Como não fazer uma assembléia,
um projeto de lei do “além” para ser
aprovado a restauração do Cine São
José! Ele não era deste mundo ali
era a vida fora da gravidade.


Stop aos humanos que pensam
em esmagar, em demolir a idéia,
a ideologia do Cine São José.
Inúteis Senhores da Lei, não
terá como restaurar o Cine São José.
Os espectadores lá estão assistindo
os filmes de suas vidas,
de suas memórias reais e
o Cine São José está restaurado
no mesmo espaço suspenso
antes edificado, gravitando em
nossas lembranças e não há
quem consiga mudar este ato,
este fato tão puro, tão humano
e tão rico, chamado Cine São José.

Autor: Roberto de Araújo

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