Para que e como restaurar 
o velho cinema de Muzambinho?
Era o maior espetáculo da terra, 
o desfile os astros de Hollywood.
O bálsamo daquelas ruas poeirentas, 
da tristeza das famílias
pobres, daquela ilusão pueril, 
como o único remédio para 
as coisas que não têm remédio. 
Como é difícil restaurar o Cine São José!
Os porteiros como anjos deixavam 
os meninos pobres entrar ao apagar
das luzes, eles já estão no céu de 
Hollywood se é que Hollywood tem céu,
estão talvez nas entranhas do 
tabuado do poleiro, onde mocinhos
e mocinhas trocavam juras de amor. 
O amor inocente que simulava 
outro filme que não passava na tela: 
este de carne e osso, o outro o 
sonho indelével, que se corroeu 
também nos escaninhos 
enlatados que a traça deu fim. 
O Cine era a assembléia dos 
sonhadores, a romaria dos iludidos, 
dos fora do mundo. Como era bom 
resguardar-se naquele espaço 
aconchegante do Cine São José! 
A vida só valia pela existência 
do Cine São José!
Ele ficava suspenso no ar, longe 
do assassinato frio que ocorreu 
nas adjacências da antiga Rua 
América, na zona meretrícia da 
cidade. No ar ele ficava suspenso 
da dor da sexta-feira da paixão, 
do comerciante falido que foi 
embora para nunca mais, 
dos desgostos das mortes 
dos parentes, das falas covardes, 
dos anseios e devaneios, da 
fragilidade sem culpa da pequenina cidade!
Ele era suspenso... Como me lembro!
Ao abrir as cortinas em tom vinho 
escuro, abria-se o outro lado irreal 
é verdade, amenizando esta vida 
tão dura que o tempo também 
a tornaria irremediavelmente fictícia. 
Era enorme o Cine São José, 
comportava pacientes de toda classe. 
Ali a vida ficava lá fora talvez 
com raiva com ciúme. 
A portaria barrava qualquer 
sorte de acontecimentos. 
Podia morrer quem morresse, 
deflagrar guerras, escândalos,
ninguém se mechia: - A fita do 
filme era intocável e a fita lá 
de fora que esperasse sentada, 
porque era imperativo o ato 
impar, único e imponente do ator. 
Como reconstruir o Cine São José? 
Não há mais vontade, não há mais 
proprietário, aliás, sempre duvidosa 
a propriedade do estabelecimento...
ninguém ligava, não podia era cortar 
o filme, desaparecer Carlitos, Gordo 
e Magro, Greta Garbo, John Wesmuller,
Elizabeth Tayllor, Lex Baker: estes 
eram mais importantes do que
o domínio e a posse do Cine São José. 
Por que hoje me veio a tona o Cine 
São José se nem posses tenho 
para reativá-lo e para que? 
Seria eu o único a pensar 
nessa inventiva insana? 
Era o palco da vida, e mais 
dia ou menos dia, saberíamos 
que a vida é um filme duro como 
rocha e só as águas límpidas da 
selva do Tarzan compensava esse 
gostinho de mel, que brotava,
brota e encalacra nos escombros 
do Cine São José imortal.
 Nas suas paredes ouço “Danúbio Azul” 
e outras melodias, vejo o olhar da linda 
moça que talvez por engano pensei
que olhasse para mim. 
Aqui fora há um misto de revolta 
conformada! ...    
Por que não restaurar o Cine São José? 
Ainda sinto o gosto da bala pipper. 
A tela da vida era desimportante 
diante do ato estilizo do grande artista. 
Em cinemascope sentíamos vibrar a 
liberdade e a coragem para enfrentar barreiras. 
Como não fazer uma assembléia,
um projeto de lei do “além” para ser 
aprovado a restauração do Cine São 
José! Ele não era deste mundo ali 
era a vida fora da gravidade. 
Stop aos humanos que pensam 
em esmagar, em demolir a idéia, 
a ideologia do Cine São José. 
Inúteis Senhores da Lei, não 
terá como restaurar o Cine São José.
Os espectadores lá estão assistindo 
os filmes de suas vidas, 
de suas memórias reais e 
o Cine São José está restaurado
no mesmo espaço suspenso 
antes edificado, gravitando em 
nossas lembranças e não há 
quem consiga mudar este ato, 
este fato tão puro, tão humano 
e tão rico, chamado Cine São José. 
Autor:  Roberto de Araújo